AUTO RESENHA MERCADO DAS FLORES, por Dom de Oliveira.
Música: Silêncio! Memórias | Ouça aqui: http://rd.io/x/QWvPJzderXt0/

“Gostaríamos que Sampa não maltratasse muito… Fosse apenas de uma rude docilidade. Pois de coração leve e a alma cantando sonharemos”. (Dom)

A cidade de São Paulo se torna oficialmente a musa primeira, principal e mais influente de minhas composições. Esta é, ao menos, a impressão que tive ao lembrar que hoje eu tenho três canções dedicadas ou diretamente influenciadas pela cidade. Não há como passar incólume. Sampa marca a ferro, fogo e amor o sangue de quem nela vive, mora ou só está de passagem. Ela marca, tanto para o lado bom – que são muitos – quanto para o  lado mau – que também são muitos. Em mim percebo que os lados ruins marcam, estão nas três canções estes aspectos. Mas a parte boa, a parte terna, bem influente, também. São Paulo é um grande aprendizado sentimental.

A canção em análise hoje, Silêncio! Memórias, não cita o nome da cidade, mas agora está claro onde se passa. Confesso que SP me dá mesmo um “sentimento de maré cidade acima”. O grito de silêncio que é pedido incessantemente, como um urro de socorro, de basta, é alto, mas nunca atendido. A canção, pelo contrário, só aumenta a intensidade desta tensão, chegando ao caos totalmente harmonizado perto do final da primeira e segunda partes, com a bateria, baixo e guitarra gritando em blocos, em viradas, em solos. Fala-se da esperança e pedido para que a cidade soe como a pradaria, o campo, a floresta que já foi um dia. Cheia de silêncio e sons da natureza. O fim do barulho dos carros, ônibus e caminhões e de uma multidão totalmente alheia à presença ao lado é, indefinidamente, uma utopia. Outra possibilidade e desejo era que SP virasse uma cidade pequena de interior, por alguns instantes. Que olhar o céu, ver as estrelas e dar uma boa noite aos transeuntes da rua fosse possível. Que atravessar a rua e dar de encontro com a zona rural fosse corriqueiro.
São alguns dos desejos em meio ao movimento incessante.

Um outro lado. Há um detalhe forte, claro e vivo. A cidade, mesmo em caos, fazia sentido – ou faz – para quem nela encontrou alguém para chamar de bem, de carinho, de amor. No centro da praça da Sé faz muito sentido estar em São Paulo, se é nessa cidade que mora a sua parceira/companheira/bem/amor/irmã de sentimento. Faz sentido, a cidade pulsa. Sim, faz. Na canção, o que o eu lírico da poesia traz e deixa muito claro é: a saudade desses dias em que uma mulher querida fez a megalópole fazer todo o sentido. É a falta, a busca, os recordos cheios de carinho dessa pessoa que voga a vida. Mas já não há mulher alguma, somente o concreto e a sala vazia. Ê, vida amargurada!

Resolvi cantar sozinho a canção, no sentido de não haver vozes de fundo, para realçar esta sensação de solidão emanada. É uma linha melódico-vocal solitária, como é a poesia. A guitarra de Igor Seiji é bem melódica, marcada e audível. Totalmente fora do que se convenciona fazer em um “forró” – entre aspas, pois a música foi composta soando involuntariamente como um. Uma das buscas foi desconstruir ritmicamente a canção. Deixá-la forró no meu acompanhamento de violão, mas que os outros instrumentos fizessem o trabalho total de descaracterização. Foi bem interessante ver a música se distanciando e nascendo outra, totalmente diferente. Conseguimos. O resultado foi algo que não sabemos ritmicamente o que é. Fazer isso foi bem interessante. Era o resultado que eu queria. O baixo do Vinícius Nicoletti está bem presente e sola cheios de evidencia em várias partes. A bateria de Marcelo Bucater desemborca em viradas ao meio e final. Tudo está pensado e no lugar.

Silêncio! Memórias é a história de uma canção solitária e amorosa. Cheia de mistérios e desentendimentos com a solidão e ruídos de uma das maiores metrópoles do mundo, marcando todas as suas possibilidades de desconstrução rítmica.

Ouça aqui: http://rd.io/x/QWvPJzderXt0/

 

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